quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A redescoberta da infância: a linguagem (Parte I)

Quando eu fiquei grávida, entrei em contato com a infância profunda outra vez. Comecei a reviver coisas, sensações, o gosto por algumas coisas, e as lembranças foram brotando, intensas, vívidas, cheias de sabor. Foi bonito reviver tudo isso depois dos trinta e algo. Acho que foi a Vida resgatando esse universo, preparando-me para apresentá-lo à pequena que estava por vir. E uma dessas redescobertas intensas foi a da linguagem.

Aos poucos, foram chegando expressões, palavrinhas engraçadas, jeitos de falar com criança que eu escutava quando menina. E, claro, sempre prestei muita atenção em tudo que os adultos diziam, eu sempre amei as palavras! Uma das palavras de que mais gosto, e que tem um gosto de travessura delicioso é a palavra malino. Você, com certeza, conhece um dos sinônimos de malino. Menino malino, em minha infância - e em minha terra natal -, é o menino peralta, travesso, levado. E essa palavra puxa outra: malineza. A malineza é tudo o que realiza o menino malino... Eu fui muito malina, malinava (sim, o verbo é malinar) em tudo que era lugar, era curiosa, queria explorar, descobrir, e não me envergonho de contá-lo. Na casa dos meus avós, eu revirava malas antigas, adorava o cheiro de gavetas que ninguém nunca abria, portas que escondiam coisas... Sei que era meio inconveniente, vá lá, mas este é um julgamento do mundo adulto, um julgamento de agora, e a criança explora porque quer aprender, e nisso não reside nada de mau... E era a casa da avó, onde se pode tudo.Ou "quase tudo", não é, vovó Glória? ;)

À medida que Maya cresce, outras palavras vão chegando. Outra palavra adorável é a palavra calundu. Trata-se de uma palavra do tupi, e "é palavra usada para caracterizar estados de ânimo em que se alternam irritação, mau humor, agastamentos breves, amuos e caprichos inexplicáveis. O comportamente de uma pessoa vitimada pelo calundu, se não chega abertamente ao anti-social, torna sempre muito difícil a sua convivência com outras pessoas.", segundo Cid Marcus, professor de São Paulo. Nem preciso dizer muito mais. Você a conhece como amuo, birra, manha, é quando a criança descobre sua arma mais poderosa para te convencer ou te dissuadir de algo: o choro. Maya dá calundu quando quer as coisas e não lhe comprazemos. O menino com calundu é menino calunduzento, ah, como é bonito dizer isso em voz alta!...

Lambança é palavra que baila, palavra que rima com muita coisa adorável. Lambança quer dizer "mentira, lorota", descubro já adulta. Mas não era com esse sentido que se usava, não era com essa intenção que me diziam. Lambança era usada como travessura, quando o menino aprontava alguma, e dava trabalho aos pais. Menino lambancento é expressão que já ouvi muito. É doce de se ouvir e de dizer!

Lembro que um tio querido nos chamava de "perereca". Era um tratamento carinhoso, inclusive ele criava uma forma masculina: "perereco". Hehehe. É engraçado relembrar tudo isso... Outra palavra cheia de vida e de doçura é sapeca. E outra é traquinagem...

Essas palavras frequentam nossa casa agora. Eu as diga a Maya porque quero que essas palavras vivam e façam parte da história de minha filha também. E também porque é espontâneo dizê-las, é como se essas palavras fizessem parte do meu corpo, como se elas e eu fôssemos feitas da mesma matéria, algo indissociável. 

Espero poder compartilhar mais sobre a linguagem resgatada da infância com vocês!

Saudações maternas,

Biazinha


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