domingo, 24 de julho de 2011

Um olhar sobre o nascimento dos bebês

Entrevista a Ángeles Hinojosa, presidente da Plataforma Pró Direitos do Nascimento:

Como a forma de nascer influencia o indivíduo e a sociedade

Entrevista a Amparo Coscolla

Tradução: Fabiana Brandão Silva Amorim

Foto: Roger Casas

Faz poucos anos que sabemos que os bebês sentem, e, portanto, sentem prazer ou sofrem dentro do ventre materno e quando estão nascendo. Até o ano 1985 intervinha-se cirurgicamente em recém nascidos sem anestesia porque acreditava-se que não sentiam dor física. Não passava pela cabeça de ninguém que eles tivessem emoções.” Ángeles Hinojosa


Ángeles Hinojosa é a presidente da Plataforma Pró Direitos do Nascimento da qual falamos e está dedicada a criar uma nova cultura do nascimento através da conscientização da população e dos profissionais sobre a necessidade de humanizar a assistência ao nascimento, cumprir as recomendações da OMS e dar um tratamento respeitoso e amoroso al recém nascido como gérmen básico de um mundo melhor.

Além disso, criou um método próprio de reflexologia podal infantil e é especialista na técnica de rebirthing (renascimento), graças à qual descobriu a história de seu próprio nascimento. Este fato lhe permitiu compreender e aceitar muitos aspectos de sua vida e foi o deflagrador de sua vocação e compromisso em defender os direitos dos bebês.

Nesta entrevista concedida à já não existente Revista Única, ela explica como a gravidez e o nascimento influenciam o indivíduo e a sociedade atual.

Mas longe de querer culpabilizar-nos e angustiar-nos por algo que já aconteceu, trata-se de uma informação que nos ajudará a tomar consciência, curar feridas, perdoar e perdoar-nos e, sobretudo, deixar de reproduzir erros insconscientemente para que nossos filhos e as seguintes gerações façam melhor do que nós.

Porque como diz o sábio obstetra Michel Odent: “Para mudar o mundo, é preciso, antes, mudar a forma de nascer”.

Revista Única: É verdade que nossa personalidade pode ter muito a ver com a forma como nascemos?

Ángeles Hinojosa: As últimas pesquisas concluem que as experiências vividas desde o princípio da vida prenatal até os dois anos marcam de forma definitiva a personalidade. Quando dizemos “nascimento” nos referimos à concepção, gestação, nascimento e primeira infância.
RU: E que podemos denominar como um “nascimento traumático”?
AH: Todo aquele que se realiza sem a consciência das pessoas que o assistem. Ou seja, que não têm consciência do impacto que a vivência [do nascimento] supõe para quem está nascendo. O maltrato no nascimento vem acontecendo desde sempre. Faz poucos anos que sabemos que os bebês sentem, e, portanto, sentem prazer ou sofrem dentro do ventre materno e quando estão nascendo. Até o ano 1985 intervinha-se cirurgicamente em recém-nascidos sem anestesia, porque acreditava-se que não sentiam dor física. Não passava pela cabeça de ninguém que eles tivessem emoções.

RU: De que maneira um nascimento “traumático” nos deixa marcas?
AH: Cada experiência vivida pela mãe enquanto estiver grávida dá ao bebê informação sobre o que é viver. Cada ato que se realize com ele ou com sua mãe durante o nascimento fica gravado em sua memória. No futuro, uma situação que se assemelhe a uma experiência vivida nessa época produzirá nele a mesma emoção que sentiu na primeira vez, sem poder identificar sua causa porque ela está oculta em seu subconsciente.
RU: Pode dar-nos algum exemplo?
AH: Quando se induz um nascimento, está privando-se o bebê de decidir quando está preparado para nascer; o bebê sente que não o consideram, que não o levam em conta. Quando o separam de sua mãe logo depois de nascer sem que ele tenha tido tempo para reencontrar-se com ela, o bebê perde toda a referência do que lhe é conhecido; o terror e a desolação se instaurarão nele. Essas sensações ficarão gravadas em sua mente e o acompanharão pelo resto de sua vida, revivendo-as cada vez que viva uma situação que ele relacione com uma perda.
RU: Da maneira como você o descreve, possivelmente é a forma como a maioria de nós nasceu...
AH: Com certeza. Por não conhecer suas consequências, os nascimentos nunca receberam atenção. Os resultados das experiências vividas se refletem no estado emocional da maioria de nós.
RU: Outra forma de tratar o bebê poderia evitar estes danos?
AH: Quando um bebê é maltratado em um momento tão crucial de sua vida, necessita, sobretudo, contenção física (braços), coisa que poucos de nós tivemos. A maioria passou do ventre materno ao berçário, com exceção dos momentos de amamentação, isso para quem teve a sorte de mamar. Os pais, se tivessem conhecimento de que seu bebê estava sofrendo, o teriam ninado nos braços por mais tempo para consolar sua solidão. O amor e o respeito são os melhores remédios para reparar as feridas emocionais.
RU: Muitos cientistas estudaram este tema ao longo do século XX, não é mesmo?

AH: Sim, os especialistas em Psicologia perinatal constataram de que forma tudo o que se vive nessas épocas impacta o ser. Assumir que isso é verdade nos apresenta um dilema difícil de solucionar se continuam a cometer-se as barbaridades que são feitas com a gravidez e o parto. É mais cômodo não escutar quando alguém alerta sobre as consequências acarretadas pelo intervencionismo excessivo imposto a processos totalmente fisiológicos como o são gestar e parir.
RU: Que relação o nascimento tem com o quão violenta pode ser uma sociedade?
AH: Há estudos que relacionam a violência juvenil com aquela que é gerada nas salas de parto. Se recebemos o que damos, e se levamos em conta a pouca assistência e a violência com a qual se recebem os bebês em sua entrada no mundo, não é de estranhar o que estamos vivendo em todos os lados, incluída aí a nossa cultura.
RU: E por que há tanta resistência em assistir o parto com respeito, se é sabido quão importante ele é para o bebê e a mãe?
AH: Não, não se sabe ou não se quer saber. Devemos levar em conta que a grande maioria dos profissionais que atualmente estão nos centros de saúde não sabem assistir um parto fisiológico. Estão acostumados a intervir, e em um parto fisiológico é preciso observar de longe, mas deixando que a mãe e o bebê o façam, apenas observando.
RU: Quais são os protocolos hospitalares traumáticos para o bebê?
AH: Todos aqueles que interrompem o desenvolvimento natural do parto/nascimento. Não existe uma só intervenção que não tenha um efeito negativo no processo.
RU: Se nosso filho teve um nascimento difícil, podemos curar suas feridas?
AH: Como eu dizia, o amor e o respeito são os melhores bálsamos que existem. Devemos segurá-los em nossos braços, sobretudo nos primeiros meses; não deixá-los dormir sozinhos; permitir-lhes expressar através do choro a dor, o estrés, o sofrimento ou qualquer outro sentimento que necessitem expressar; respeitar seu estado de ânimo e apoiá-lo, tratando de não angustiar-nos com ele, e, sobretudo, devemos nos colocar na sua pele e não fazer-lhe jamais nada daquilo que não gostaríamos que fizessem conosco.
RU: A maioria de nós teve uma primeira infância difícil. Suponho que o primeiro passo para superar essas feridas é conscientizar-nos delas...
AH: Sim, mas não podemos ficar somente nisso. É preciso ir mais adiante e limpar o ressentimento, a culpa e a dor de nossa vida. Fazer um trabalho de reconhecimento e perdão para com nossos pais, que fizeram conosco o melhor que sabiam fazer. Isso nos permitirá estar mais preparados para criar nossos filhos sem repetir padrões.

Fonte: REVISTA ÚNICA, Nº 30. Madrid: Editorial RBA, 2005.

Republicada no site: http://www.elblogalternativo.com/2009/06/07/angeles-hinojosa-y-como-influye-la-forma-de-nacer-en-la-persona-y-la-sociedad-22/. Acesso: 23 de julho de 2011.




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