terça-feira, 4 de março de 2014

O desmame de Maya



Maya sendo amamentada aos dois meses de idade

Amamentar foi uma das experiências mais bonitas e gratificantes que experimentei em minha vida. Digo isso como pessoa, como mulher e como mãe. Alimentar alguém com um fluido corporal nos une aos demais mamíferos, nos liga ao que há de animal -e primitivo, quase selvagem - em nós. 

Sei que muitas mulheres compartilham de meu ponto de vista, e sei que muitas outras irão discordar de mim e de minhas ideias. Mas não vim buscar aliados, nem opositores. Até porque, hoje em dia, tenho uma posição muito tranquila sobre as coisas em que penso e nas quais acredito. Estou longe de ser o que chamo de "as fundamentalistas" - do parto, do peito, da maternidade... -, e não estou interessada em aliciar seguidoras ou rivais. Só quero me fazer ouvir: a escuta respeitosa, a escuta amorosa, a troca de vivências possíveis e saudáveis.

Eu sempre acreditei em uma coisa: sou mamífera, somos mamíferos. Tomar leite do peito da mãe é natural, é necessário, é vital. Eu decidi, quando nasceu Maya, amamentá-la o máximo de tempo que me fosse possível, ou seja, seguir o que preconiza a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Organização Mundial da Saúde, de que é aconselhável amamentar os bebês até dois anos. O pediatra dela sempre apoiou e respeitou essa decisão, o que me fez crer que estávamos no caminho certo.

Maya mamou no peito durante dois anos e cinco meses. Foi bonito fazê-lo. Mas depois dos dois anos confesso que já me sentia cansada, e já desejava desmamá-la. Porque acredito em outra coisa também: tudo tem que ser feito com alegria e com prazer. Se começa a ser um peso, se fica cansativo ou triste, é melhor repensar o caminho ou o plano. E eu já me sentia cansada. 

Decidimos que o desmame aconteceria nas férias de janeiro, quando viajaríamos para a casa dos meus pais. Eu tinha certo horror à ideia do desmame em um apartamento, pois choro de criança à noite, choro irritado e prolongado por noites a fio poderia ser um fator comprometedor da (boa) relação entre vizinhos - não que os meus sejam lá as pessoas mais amigáveis, mas não tenho queixa deles e por isso mesmo não queria um desmame em nosso apartamento -. O desmame em uma casa, e com gente que ama a gente de verdade, me parecia mais adequado. Lá fomos nós, em nossa viagem de férias, para a casa de "uouô" e "uouó". Durante algumas noites, Maya chegava tão cansada dos passeios à rua que dormia sem nem me pedir peito. Isso aconteceu três ou quatro vezes, e nos demos conta de que ela já estava pronta para dar o seguinte passo.

O desmame mesmo, pra valer, aconteceu já nas últimas semanas de janeiro. Eu já havia confirmado que estava grávida, e era urgente cuidar da minha saúde para alimentar o bebê que carregava agora em meu ventre. Unimos o útil ao agradável. A primeira noite foi um domingo, e foi a última vez que Maya foi amamentada antes de dormir, foi nossa despedida dessa interação. Vou contar tudo isso num post seguinte, para tentar reconstruir noite por noite o que experenciamos.

Eu queria compartilhar alguns sentimentos. As mães sempre têm algumas fantasias. Eu tinha uma que era assim: que Maya só me reconhecia e me amava pela relação construída entre nós duas e o peito, que só porque eu era uma fonte de alimento, depois de aconchego e de acalento ela me amava. Por isso eu digo que era uma fantasia. Porque sei que não tem lógica, que não é real. Mas eu fantasiava isso, e lá no íntimo cria que quando ela deixasse de mamar, um laço entre nós se cortaria irremediavelmente. Dramático, eu sei.

Eu tentei, quando se aproximava o seu segundo aniversário, trabalhar os meus sentimentos para começar o desmame. Mas acontece que eu não me sentia pronta, havia uma lacuna ali que eu não compreendia completamente, algo que eu não conseguia alcançar e que me travava, que não me deixava levar o plano - racional - do desmame adiante. Eu precisava mesmo era entender o porquê daquela recusa dos sentimentos, por quê eu não queria cortar o laço entre aquele serzinho mamífero e o peito. 

A compreensão começou a nascer quando descobri que estava grávida, e, numa noite, sentada com duas amigas queridas, conversávamos sobre o desmame iminente de Maya. Eu havia tido o seguinte insight e o compartilhei com elas: quando Maya nasceu, tive dificuldade para amamentá-la durante os seus três primeiros dias de vida. Tinha o bico do peito plano e só no seu terceiro dia de vida, com a visita domiciliar da enfermeira do plano de saúde, ela me orientou que poderia usar o bico de silicone para facilitar a pega do mamilo. Não entendo por quê diabos não me disseram isso no hospital, onde tantos profissionais viram Maya, e viram a  mim durante a tarde, a noite e a manhã em que estivemos lá. Maya começou a mamar no peito no dia 04 de agosto de 2011, por volta do meio-dia, e mamou corajosamente desde então.  

O que contei a minhas amigas, e compartilho neste blog, é que compreendi que essa experiência - e a angústia, a frustração, o medo e a tristeza por não amamentá-la por quase 72 horas de vida - me fez ver que ficou uma lacuna emocional ali. Inconscientemente, prolongar por mais de dois anos a amamentação era uma forma de compensá-la por aquelas 72 horas sem alimento, aquelas horas longas para mim, minha mãe e meu esposo, em que não entendíamos por quê ela não pegava o peito. 

O que adveio desses dias sem peito foi que o pediatra de Maya ficou preocupado com a perda de peso muito superior a 10% do peso e entrou com a combinação fórmula + leite materno por dez dias. Aquilo para mim era o fracasso como mãe. Saí do consultório aos prantos, fiquei me sentindo péssima, mas tudo se resolveu na semana seguinte, quando ela já havia recuperado o peso e pudemos tirar a bendita fórmula. Essas vivências foram muito significativas para mim, que tinha o desejo genuíno por amamentar desde a maternidade, quando a tive nos braços pela primeira vez.

Quando elaborei todos esses sentimentos foi mais fácil ser forte para o desmame. A gente tem outra fantasia típica de mães: que o bebê vai ficar inconsolável sem o peito. Não é verdade. O bebê sobrevive, acreditem em mim. O bebê é forte, também devem crer em mim. O choro é inevitável, mas o que ele quer mesmo é aconchego, carinho, proteção. Não só a mãe pode dar-lhe essas coisas, o pai também tem papel significativo aí. Meu esposo amado foi fundamental nesse processo. O desmame não teria sido o sucesso que foi sem seu apoio.


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